Infortúnio

 Raios de luz começam a invadir o cômodo por entre as persianas. Os ponteiros do relógio de mesa avançam de maneira impiedosa, e o suave tiquetaquear parece soar estrondosamente naquela atmosfera carregada. O tempo aparenta estar congelado, e em tons de cinza, como num filme mudo do século passado em pausa, misturado a flashes de luz da lâmpada oscilante do projetor.
O quarto permanecia fechado havia bastante tempo, e uma certa essência de coisa velha pairava no ar.
Os olhos ainda estão abertos desde o princípio da noite que se passara, percorrendo o teto de um lado a outro, contando as fissuras e imperfeições durante a madrugada.
O amanhecer se desdobra sobre o mundo outra vez.
Esta noite não fora diferente de nenhuma das muitas anteriores, e o pesar insone a cada dia toma conta do corpo, fazendo-se aparente na opacidade do olhar e na turbidez da mente.
Os frascos de tranquilizantes abarrotam o criado-mudo, na companhia de antidepressivos e analgésicos. Essas drogas já não conseguem mais apaziguar os ânimos desnorteados de um pensamento conturbado.
Quem poderia supor que uma pessoa super equilibrada e totalmente dona de si haveria de perder as rédeas da situação para de tal maneira desandar?
Os infortúnios que os desamores podem causar ainda me surpreendem demais. E nem é devido ao estado de espírito deslocado em que a pessoa se encontra. O que me choca mesmo é como um sentimento tão bonito pode levar a tal flagelo. Pior, tornara-se um causo fortuito dos corricos em busca de fisgar amor.

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